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Os discursos das propostas de avaliação da educação superior tornam-se armadilhas ao não articularem o seu para quê?, para quem?, o quê? e como?. Neste artigo, explicita-se como tais armadilhas são construídas a partir da análise de uma proposta de planejamento e avaliação de uma instituição pública do Estado de São Paulo. A análise da proposta tem como base as ideias de Paulo Freire e outros autores que investigaram a proliferação dos sistemas de avaliação como controle. Conclui-se que, na construção discursiva das diferentes propostas de avaliação, frequentemente, está presente a ideia de controle. Embora utilizem um discurso emancipatório, elas instauram um instrumento de controle quantitativo que pode gerar um aumento da exclusão, do produtivismo e da competição.
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Considerações Finais
O artigo explicita a dinâmica do que batizamos como armadilhas presentes nas propostas de avaliação de instituições de ensino superior. Na proposta de avaliação analisada, como em outras, a armadilha pode ser percebida pelos elogios que poderia receber. Os princípios que a fundamentam seriam considerados muito bons por um defensor de uma visão emancipatória da avaliação, ao lê-la a aplaudiria. Por sua vez, um defensor da visão gerencial e de controle, ao ler a operacionalização da proposta, também a aplaudiria. O problema é que tais visões não se articulam, tem-se uma justaposição entre contrários, não há organicidade entre para quê?, para quem?, o quê? e como?.
Mecanismos, elaborados tendo o controle como para quê?, tendem a produzir um índice único que facilita o ranqueamento, mesmo que a intenção não seja esta. Seria como colocar um revólver carregado para segurar uma pilha de papel; pode-se afirmar que ele não será utilizado, mas está ali intimidando os membros da comunidade acadêmica. Para não cair nesta armadilha, é preciso ter muito claro a articulação entre o para quê? para quem? o quê? e o como? do instrumento: promover a autoavaliação do corpo docente e a reflexão sobre os caminhos seguidos é um bom ponto de partida.
O conceito de avaliação é apresentado com um para quê ligado à ideia de diagnóstico do processo educacional, contudo, a proposta assume uma visão de avaliação como medida e como processo de competição entre Docentes e Departamentos. O destinatário da avaliação, para quem, passou a ser principalmente o mercado e não a comunidade acadêmica (alunos, professores, dirigentes e a comunidade envolvida), ou seja, o conceito de autonomia é desvirtuado de sua compreensão como maioridade, restringindo-se ao autocontrole para atender as demandas externas. A legítima prestação de contas e a responsabilidade institucional transformam-se em culpabilização pelos resultados não alcançados.
Os dados provenientes das análises quantitativas presentes nas estatísticas podem ser ferramentas para compreensão da dinâmica acadêmica. Contudo, a pretensa neutralidade das estatísticas consiste em uma armadilha na medida em que escamoteia discussões essenciais como: o para quê da instituição, para quem o trabalho da universidade se destina, o quê efetivamente ela deve oferecer à sociedade e como devem ser suas práticas.
A necessária busca do aperfeiçoamento das práticas institucionais, ao ser interpretada à luz da criação de índices, conduz à armadilha de que é possível um contínuo aperfeiçoamento e que resumir o como a simples elaboração de metas levaria a práticas virtuosas. Não se coloca em xeque as condições institucionais (como) e nem se reconhece que em muitos casos é apenas necessário manter as atuais práticas (como) para a instituição atingir o seu para quê.
Tendo como destinatário (para quem) a comunidade acadêmica, é possível que a avaliação tenha como objeto (o quê) o significado do trabalho institucional. Indicando as suas lacunas, os pontos positivos seriam mantidos e as ações poderiam ser propostas para sanar aqueles aspectos que estão menos desenvolvidos. Por exemplo, pode ser que a falta de divulgação dos resultados das pesquisas seja um ponto que necessite melhoria. Neste caso, os docentes trabalhariam coletivamente para aumentar as suas publicações. Se este quem (o quê) a ser avaliado é um sujeito coletivo, a pressão e a competição tendem a ser minimizados, e a colaboração entre os docentes, incentivada.
A maneira como tal processo será feito é outro quesito de extrema importância. Um primeiro aspecto seria elencar coletivamente os itens a serem avaliados e recusar-se a apenas quantificá-los, evitando transformar isso em ponderações que permitam um índice único e, consequentemente, um ranqueamento. Criar elementos qualitativos não é uma tarefa fácil, mas é imprescindível para construir um instrumento mais justo e que dissemine valores que não sejam a competição e a exclusão.
Quando um indivíduo vive em uma zona de desconforto, torturado por um sistema de pontuação de todas as suas ações, chega um certo momento em que os sujeitos envolvidos adaptam-se e aprendem a sobreviver e passam a conduzir as suas práticas institucionais tal como o mercado produtivo de artigos permite e exige.
Reconhecer as armadilhas que permeiam o universo da avaliação não é um trabalho tão simples, é preciso estar atento e realizar uma constante avaliação do próprio instrumento avaliativo, levando em consideração o para quê?, o para quem?, o o quê? e o como? de tal instrumento. Sem esta constante análise podemos cair na armadilha de supervalorizar os índices e aumentar o controle sobre o trabalho docente.
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ROTHEN, José Carlos; SANTANA, Andréia da Cunha Malheiros; BORGES, Regilson Maciel. As Armadilhas do Discurso sobre a Avaliação da Educação Superior. Educ. Real., Porto Alegre , v. 43, n. 4, p. 1429-1450, out. 2018