Aqui são apresentadas, de maneira sumária, alguns referenciais teóricos que embasam os procedimentos metodológicos adotados nas pesquisas realizadas pelo grupo. O ponto de partida dessa discussão é a definição de poder cunhada por Michel Foucault.
Na compreensão de Foucault (1986, p. 174). o Poder não existe como uma entidade própria, o qual pode ser estudado isoladamente, mas, sim, defende que ele é uma relação pulverizada, que se estende como rede e se articula entre as várias instâncias sociais
Na defesa desse princípio, o autor critica a concepção herdeira do enfoque jurídico da soberania, que defende a idéia de que o poder emana do centro para a periferia. Na mesma linha de raciocínio, afasta-se da visão marxista, que reduz o Poder a um puro reflexo das relações econômicas, reprodutora da dominação de classes. Com essas contraposições, não se pretende negar o exercício do poder na figura do ‘soberano’ ou na ‘reprodução das relações de produção’, mas, sim, propor a idéia de que o exercício do poder ocorre em diversas instâncias. De forma contundente, ele afirma:

“O poder não existe. Quero dizer o seguinte: a idéia de que existe, em um determinado lugar, ou emanando de um determinado ponto, algo que é um Poder, me parece baseada em uma análise enganosa e que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos. […] Mas se o Poder na realidade é um feixe aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações, então o único problema é munir-se de princípios de análise que permitam uma analítica das relações do Poder” (FOUCAULT, 1986, p. 248)
Outra crítica de Foucault às análises do Poder, com base na reprodução das relações econômicas ou da força do soberano, é que essas adotam a idéia de Poder como negação, de censura e de repressão. Para Foucault (1986, p. 149), o Poder seria frágil e não se manteria, caso comportasse apenas os aspectos negativos, ele se instaura quando produz prazer, produz saber.
O estudo do Poder, no caso das pesquisas do grupo, as dinâmicas de regulação e da avaliação da educação superior, implica compreender a maneira como o Poder é exercido na criação e implantação de uma política pública. O exercício do Poder, nesse caso, deve ser percebido nos seus aspectos negativo e positivo, isto é, tanto ao reprimir a criação de modelos alternativos, como na criação de um novo modelo.
Entender o Poder como rede ou feixe multiforme permite compreender as práticas regulatórias como parte de uma relação de forças. Em sentido figurado, cada um dos atores sociais ou grupo de atores dessas práticas constitui-se como um dos “nós” da rede de Poder. O exercício do poder não depende exclusivamente de atos de vontade, mas, sim, como relações entre os diversos atores sociais (outros “nós” da rede), por exemplo: o movimento estudantil, as Instituições de Ensino, os sindicados de professores, as associações que congregam IES publicas e/ou particulares etc.
A idéia de que o Poder não existe e que ele se constitui mediante uma relação de forças, propicia ir além da compreensão do Estado como um todo monolítico, mas ele próprio se constitui em uma rede de órgãos nos quais se exerce o Poder. A rede de Poder, dentro, do Estado, pode ser estudada pelo conceito de “governamentalidade” cunhado por Foucault, ao propor a pesquisa sobre a história do Estado. Em suas palavras:
“Para concluir, gostaria de dizer o seguinte. O que pretendo fazer nestes próximos anos é uma história da governamentalidade. E com esta palavra quero dizer três cosias:
1 – o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas, que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de Poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança.
2 – a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de Poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros – soberania, disciplina, etc. – e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes.
3 – o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado” (FOUCAULT, 1986, p. 291- 2. Grifos nossos).
A partir do conceito de “governamentalidade”, a pesquisa da História e das Políticas da Avaliação Estatal da Educação superior implica estudar a atuação dos diversos órgãos governamentais no estabelecimento e implantação dessa política pública e, sobretudo, na criação de saberes mediante o exercício do poder por instrumentos técnicos.
Saberes e redes de poder
A elaboração das políticas de regulação e de avaliação parte de um conhecimento prévio da realidade e cria uma identidade para o sistema de Educação Superior Brasileira. A pesquisa dos saberes implícitos na legislação e expressos pelos diferentes atores sociais possibilita compreender parte da rede de relações de Poder em torno das definições dos rumos da Educação Superior. Na definição dos procedimentos de investigação a sugestão de uma epistemologia social de Popkewitz é relevante. Ele a propõe assim:
“A Epistemologia proporciona o contexto dentro do qual devem ser consideradas as regras e os modelos através dos quais o mundo é formado, as distinções e categorizações que organizam as percepções, as formas de responder ao mundo e o conceito do self. […] a epistemologia social torna os objetos que compõem o conhecimento da escola definindo-os como elementos da prática institucional, dos padrões de relações de Poder historicamente formados que fornecem estrutura e coerência aos caprichos da vida diária” (Popkewitz, 1997, p. 23).
Popkewitz, ao estudar a formação do currículo com base na epistemologia social pretende mostrar como o currículo cria uma maneira de ver e de formar o mundo. Neste projeto de pesquisa, o objetivo é reconstruir a rede de poderes/saberes no qual estão inseridos os atuais processos de avaliação e regulação da educação superior brasileira. Assim, diferentemente de uma análise positivista que apenas define as estruturas do método cientifico, este tipo de estudo pretende identificar o conjunto de princípios por meio do qual a realidade é interpretada/construída.
Nesse contexto teórico, a investigação de um conhecimento gerado por uma relação de poder não se utiliza do conceito de verdade absoluta. Em vez dede utilizar o conceito de “verdade”, Foucault prefere o conceito de “Regime de Verdade”. Assim, ele propõe, “por ‘verdade’, entender um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (FOUCAULT, 1986, p. 14). O estabelecimento da verdade não consiste em buscar enunciados que descrevam com perfeição a realidade, mas, sim, produzir enunciados que atendam a rituais sociais de legitimação de um discurso.
Em linhas gerais, nesse contexto teórico, a pesquisa consiste em
a) identificar os grupos que constituem os “nós” da rede de poderes/saberes em relação à avaliação da educação superior;
b) identificar o regime de verdade que regula a distribuição dos enunciados;
c) explicitar as aproximações e distanciamentos entre os regimes de verdade dos grupos que constituem os “nós” da rede de poderes/saberes;
d) interpretar os atos normativos sobre avaliação e a regulação inseridos em um contexto de regime de verdade.

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