Imprensa, eleições e imparcialidade

A imprensa como formadora de opinião é um ator importante nas relações sócio-políticas. Uma das bases para a formação da opinião das pessoas são as informações que elas recebem sobre determinados fatos e a interpretação de outros sobre os mesmos. A imprensa cumpre o papel de formadora de opinião ao levar até o leitor informações e as suas interpretações dos fatos. As interpretações estão presentes tanto no editorial, no qual o jornal expressa abertamente a sua visão, quanto na seleção e na forma como os fatos são divulgados.

Os acontecimentos políticos, principalmente os eleitorais, colocam em cheque o posicionamento da imprensa. A divulgação dos resultados das pesquisas eleitorais é um bom pretexto para compreender a questão da atuação imparcial da imprensa na formação da opinião dos leitores, por se tratar da divulgação de dados considerados “objetivos”.

A primeira pergunta que se faz diante da divulgação de um fato é sobre a honestidade do meio de comunicação, em palavras atuais, divulga “fake news”? Esconde alguma informação determinante para a formação de opinião? Indo além da questão da honestidade dos meios de comunicação, vem a segunda pergunta: a imprensa é neutra na divulgação das notícias? Adotando a visão comum das ciências que não existe neutralidade científica, reformulamos a pergunta: a imprensa é imparcial?

Para responder esta questão tomemos como exemplo a divulgação, no dia 21 de agosto de 2018 pelo Jornal “O Estado de S. Paulo”, dos resultados da pesquisa Ibope sobre a intenção de votos na eleição presidencial e a divulgação, no dia seguinte, pela “Folha de S. Paulo” dos resultados do Datafolha. As duas pesquisas fizeram três levantamentos: 1) a intenção de votos no cenário no qual Lula não é candidato, 2) a intenção de votos no qual Lula é candidato e 3) a disposição dos eleitores de votarem em um candidato indicado por Lula. Desconsiderando algumas variações de resultados, que são justificadas por questões técnicas, as duas pesquisas tem resultados equivalentes.
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Tomaremos aqui para análise as Manchetes dos dois jornais. As manchetes são emblemáticas por resumir a notícia em poucas palavras, o que obriga o editor a fazer escolha do que deve ser destacado de toda a informação.

Na primeira página o “Estado de S. Paulo publicou: BOLSONARO SE ISOLA NA LIDERANÇA; MARINA E CIRO DISPUTAM 2º LUGAR: no início da campanha, deputado tem 20% no cenário sem Lula, seguido por Marina (12%), Ciro (9%) e Alckmin (7%)”.

Por sua vez a Folha publica como manchete de capa: PRESO, LULA TEM 39%, SEM ELE, BOLSONARO CHEGA A 22%: Haddad tem dificuldade de herdar votos do ex-presidente, mostra Datafolha”

manchete do Estado prioriza o cenário no qual Lula tem a sua candidatura impugnada pela justiça eleitoral e compreende que, efetivamente, Bolsonaro, Marina, Ciro e Alckmin são os candidatos que estão no páreo, excluindo as chamadas candidaturas nanicas e as candidaturas de Álvaro Dias (3%), de Fernando Haddad (2%) e Henrique Meireles (1%). A manchete da Folha prioriza o primeiro colocado nos dois cenários, com a informação de que Lula está preso e o desempenho de Haddad, deixando de lado os outros candidatos.

O Estado, em sua página interna na qual apresenta os resultados da pesquisa IBOPE, publica a seguinte manchete: “BOLSONARO É LÍDER ISOLADO EM CENÁRIO SEM LULA, DIZ IBOPE: Candidato do PSL tem 20% das intenções de voto, à frente de Marina com 12%, Ciro Gomes, com 9%, e Alckmin, com 7%, ‘plano B’ petista, Haddad aparece com 4%”.

A Folha tem como manchete: “LULA CHEGA A 39%; SEM ELE, BOLSONARO LIDERA: Pesquisa Datafolha mostra dificuldade de Haddad em herdar voto lulista; Alckmin melhora índices no segundo turno”.

Em linhas gerais as manchetes internas reproduzem as manchetes de capa com as seguintes diferenças: o Estado no subtítulo da manchete interna inclui o petista Fernando Haddad, a Folha retira a informação de que Lula está preso e insere no subtítulo a informação sobre o desempenho do Alckmin, mantendo a exclusão de Ciro Gomes e Marina Silva, apesar deles terem desempenho melhor que o candidato do PSDB. Essa opção que pode indicar uma priorização pela manchete da Folha em torno da polarização PT e PSDB.

Nota-se que as abordagens dos dois jornais são significativamente diferentes. Na capa a manchete do Estado aponta para a interpretação que a eleição será uma competição entre Bolsonaro, Marina, Ciro e Alckmin, o que deixa entender que Lula/Haddad estão fora do pleito eleitoral, entretanto, na página interna concede a participação de Haddad. A Folha, por sua vez, com suas manchetes valoriza os desempenhos de Lula e Bolsonaro, bem como a questão se Haddad conseguirá herdar ou não os votos de Lula.

Uma outra possível abordagem é a de que Lula estaria muito próximo de ser eleito em primeiro turno se a sua candidatura se manter na justiça eleitoral. Mas em nenhum dos dois jornais aparece essa informação como manchete principal. No texto a Folha apenas informa a porcentagem dos votos para cada candidato e o Estado informa que considerando apenas os votos válidos Lula teria 47% das intenções de voto, sem comentar que esse desempenho é bem próxima dos votos necessários para ser eleito no primeiro turno.

Voltemos a questão da imparcialidade ou parcialidade da imprensa. Pelas manchetes podemos dizer que os dois jornais priorizaram aspectos diferentes sobre a realidade, o que acaba revelando o posicionamento de cada um, a sua parcialidade, por outro lado, no conteúdo das matérias, os dois jornais apresentam dados que permitem interpretações diferentes daquelas que estampam as suas manchetes, o que indica uma imparcialidade.

Por si só, a parcialidade dos meios de comunicação não é um problema. Ao comunicar é necessário fazer escolhas, essas são feitas a partir de valores e posicionamentos políticos. A parcialidade apresenta-se como um problema, primeiro, quando o leitor recebe a informação sem senso crítico de compreender que toda informação é parcial; segundo, quando os meios de comunicação não deixam claro o seu posicionamento; terceiro, o meio de comunicação constrói a narrativa como se não houvesse possibilidade de outras interpretações; e quarto quando não há espaço em um meio comunicação para a expressão da divergência.
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Referências

FOLHA. Lula chega a 39%; sem ele, Bolsonaro lidera: Pesquisa Datafolha mostra dificuldade de Haddad em herdar voto lulista; Alckimin melhora índices no segundo turno. Folha de S. Paulo 22 de agostos de 2018 A10. Disponível em https://acervo.folha.com.br/digital/leitor.do?numero=48420&anchor=6096974&pd=ada845d8000d63ce966e498037a8114c

ESTADO. Bolsonaro se isola na liderança; Marina e Ciro Disputam 2º lugar: no início da campanha, deputado tem 20% no cenário sem Lula, seguido por Marina (12%), Ciro (9%) e Alckimin (7%) O Estado de S. Paulo, 21 agosto de 2018. P.1 disponível em https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20180821