O ensino superior e a Nova Gestão Pública: aproximações do caso brasileiro com o francês

Com o objetivo de compreender a inserção do ensino superior dentro de um novo contexto de organização da sociedade e do Estado, gerido pela Nova Gestão Pública, o trabalho apresenta um estudo histórico comparativo da organização do ensino superior brasileiro e o francês. Conclui-se que a adesão francesa à Nova Gestão Pública tem como norte a economia do conhecimento, e a brasileira, a redução do Estado nos moldes do Consenso de Washington; e que as instituições de ensino superior nos dois países são organizadas para participarem de concorrências: na França, a internacional promovida pelos ranqueamentos, no Brasil, a mercantil.
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Considerações finais

O estado-rede é uma fragmentação dos estados nacionais, tanto nas suas atividades de tomada de decisão e execução, como no estabelecimento de diferentes atores das políticas públicas, os quais não fazem parte do estado ou atuam e são tratados como se não fizessem parte dele. Os processos de regulação e de vinculação com o estado-rede não ocorre pelas armas, mas sim pelo desejo de conectividade. Na educação, observa-se que os atores que executam a atividade educativa, ao serem separados do estado, são individualizados. Esse processo de individualização permite que, na Nova Gestão Pública, sejam implantados mecanismos de autocontrole, de controle pelo mercado e a distância por meio de instrumentos informatizados. Ao mesmo tempo em que as instituições educativas são autônomas para definirem como se organizarão e se autocontrolarão, as definições dos seus objetivos são estabelecidas externamente, ou seja, de forma heterônoma. Assim, na Nova Gestão Pública, as instituições têm uma autonomia heterônoma.

Acesse Avaliação e Regulação da Educação Superior brasileira:  história e políticas 

A implantação de mecanismos da Nova Gestão Pública, no Brasil e na França, no ensino superior ocorreu gradativamente e teve como determinantes a forma como ela foi historicamente organizada em cada um dos países. No século XIX, o Brasil teve a implantação de faculdades profissionais de caráter técnico e isoladas. A França teve um modelo que separava o ensino universitário do ensino técnico, sendo o primeiro realizado na universidade imperial e o segundo em grandes escolas vinculadas a diferentes ministérios. Ao contrário do forte estatismo francês, ao final do século XIX, no Brasil, foi promulgada uma lei que separava a instituição do seu mantenedor, abrindo a possibilidade de instituições privadas.

Acesse a pesquisa sobre a qualidade da educação superior

No final do século XIX, houve a tentativa, na França, de descentralizar a universidade, contudo as mudanças realizadas não alteraram a relação dela com o Estado. No início do século XX, com a criação do CNRS, órgão de pesquisa, consolidou-se a separação entre a pesquisa e a universidade, criando um sistema tripartido: universidade, grandes escolas e pesquisa. No Brasil, a organização do ensino superior prevê: a realização do ensino, tecnológico ou não; a pesquisa no âmbito das Universidades; as agências de apoio à pesquisa se resumem a financiar a pesquisa e não a realizá-la, como ocorre na França. É marcante a diferença que na França todo ensino oficial é estatal, enquanto que no Brasil há um convívio entre o ensino estatal e o privado.

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Em 1968, ano de forte movimento estudantil, tanto na França como no Brasil, foram implantadas leis de Reforma Universitária e políticas educacionais em resposta ao movimento estudantil. Na França, é marcante a mudança das estruturas de poder diminuindo o poder das faculdades e dos decanos; no Brasil, a criação de um modelo dual, de um lado, instituições que realizavam a pesquisa e o ensino dentro de uma visão de “Brasil potência” e, de outro, instituições apenas de ensino, principalmente privadas.

A década de 1980 foi relevante para a preparação da implantação da Nova Gestão Pública, na França, na reformulação do Estado Francês ao adotar políticas de descentralização e de avaliação de políticas, bem como ao aumentar a autonomia de gestão universitária e ensaiar práticas de contratualização. No Brasil, a importância é doutrinária, foram elaboradas as primeiras propostas de controle a distância por meio da avaliação e a instituição constitucional da autonomia universitária.

Acesse a pesquisa sobre reforma universitária de 1968

Na última década do século passado e no início deste século, as práticas da Nova Gestão Pública são implantadas na França e no Brasil. Nesse momento, é marcante a participação da França na construção do Espaço Europeu de Ensino Superior que é organizado em uma concepção de direito flexível, ou seja, inserido em um Estado-rede a partir da aspiração de conectividade. No Brasil, com a reforma do estado, a regulação do ensino superior foi flexibilizada, tendo como base um modelo de avaliação da performance; também se abriu a possibilidade legal de Instituições de Ensino Superior com fins lucrativos. Nesse contexto, houve uma forte expansão do setor privado de ensino superior.

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A Nova Gestão Pública no ensino superior consolidou-se na França com a mobilização para participar dos ranqueamentos internacionais. As universidades francesas foram estimuladas a se individualizarem, apesar de se manterem estatais, de atuarem como sendo separadas do Estado e de concorrerem entre si para poderem participar da concorrência internacional. No Brasil, fortaleceram-se mecanismos de controle a distância, de práticas de contratualização com as instituições federais e de concorrência mercantil entre as instituições. A principal diferença entre os dois países é que a França adere à Nova Gestão Pública, tendo como norte uma economia do conhecimento, e o Brasil, tendo como objetivo a redução do Estado nos moldes do Consenso de Washington.
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