José Carlos Rothen e Gladys Beatriz Barreyro
O texto estuda o “saber” produzido por um dos grupos da rede de poder que criou as políticas de avaliação da educação superior brasileira, reconstruindo o regime de verdade que regula a distribuição dos enunciados na visão emancipatória da avaliação. Ou seja, tendo como referência Foucault: o conjunto de procedimentos regulados para a produção, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. Toma-se como fonte a produção acadêmica publicada na Revista Avaliação pelos membros da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), no período 1996-2002 que é complementada com entrevistas realizadas a membros do grupo. Concluise que a rede elaborou e instituiu um discurso sobre a existência de uma concepção de avaliação: institucional, formativa, participativa, desenvolvendo os seus fundamentos e elaborando uma teoria dessa visão da avaliação. Essa concepção foi colocada como alternativa e contraposição ao Exame Nacional de Cursos, instaurando uma dicotomia entre duas visões de avaliação: a da avaliação institucional formativa/emancipatória e a de desempenho/resultados.
Considerações Finais
A RAIES constituiu-se ao redor da Revista Avaliação, na qual o objetivo foi além de publicar artigos relacionados com a avaliação da educação superior. Um dos seus objetivos principais foi criar um espaço formado por uma rede de intelectuais que defendiam a concepção emancipatória da avaliação. No período estudado, a RAIES pautou a linha editorial da Revista como instrumento para a constituição e divulgação de um regime de verdade sobre a questão da avaliação da educação superior.
No âmbito da definição das políticas de avaliação, a RAIES, distanciando-se de uma visão panfletária, criou e divulgou um discurso sobre a existência de uma concepção de avaliação institucional, formativa, derivada dos princípios do PAIUB e desenvolveu seus fundamentos. Ou seja, formulou teoria dessa visão da avaliação. Essa concepção foi colocada como alternativa e contraposição ao “Provão”, instaurando uma dicotomia entre duas visões de avaliação da educação superior: a da avaliação institucional formativa/emancipatória e a de desempenho/resultados. Assim a RAIES, por meio da Revista, cumpriu o relevante papel de contraposição a um outro discurso, hegemônico, o da privatização e do fomento à criação de instituições de educação superior privadas, introduzindo um resgate da função pública da educação e um esforço de argumentação nesse sentido. Pois para a RAIES, as Instituições de Educação Superior cumprem uma função pública e, portanto, devem se avaliar. Mas, a RAIES, na Revista não considera que elas, apesar de exercerem uma atividade que é pública — a educação —, atuam como instituições com interesses mercantis e têm como um dos seus objetivos primordiais “dar rentabilidade aos seus acionistas”. Apesar do regime de verdade que regula a distribuição dos enunciados da Revista, não inclui a regulação nem a sua vinculação com a avaliação, provavelmente por estar ainda muito atrelada à visão do PAIUB, em que a participação era voluntária e sem conseqüências regulatórias.
O regime de verdade construído pela RAIES, na Revista Avaliação tornouse referência para a proposta do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), elaborada pela Comissão Especial de Avaliação, instituída no início do governo Lula, em 2003 e parcialmente incorporadas na lei 10891/04 do SINAES: avaliação institucional (com auto-avaliação). Porém, no meio do processo de implantação do SINAES, novos resultados simplificados (índices) e novos rankings foram implantados, em 2008, numa tentativa de retorno das concepções de avaliação de resultados. Assim, a sobrevivência da avaliação institucional formativa, nas políticas de avaliação da educação superior, ainda é uma questão em disputa.
Veja Avaliação e Regulação da Educação Superior brasileira: história e políticas