Gladys Barreyro e José Carlos Rothen
Com o Provão, em 1996, e depois com o SINAES, em 2004, a avaliação passou a ser um elemento central na política de educação superior brasileira. Apesar das influências dos modelos internacionais as duas principais concepções adotadas (a da avaliação com uma visão formativa/ emancipatória e a de regulação/controle) foram delineadas pelos acadêmicos participantes de comissões governamentais do Ministério da Educação durante as décadas de 1980 e 1990. No artigo, analisam-se essas duas concepções e algumas das suas implicações nas políticas atuais. São considerados os documentos oficiais: “Programa de Avaliação da Reforma Universitária” (1983); “Relatório da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior” “Uma Nova Política para a Educação Superior Brasileira” (1985), “Relatório do Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior” (1986). e “Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras” (1993).
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Considerações finais
Tendo como ponto de partida a década de 1980 e o início da década de 1990, constata-se a existência de duas concepções de avaliação que respondem a duas concepções de educação superior. A primeira delas é conservadora, no sentido de que aceita o proposto pela Reforma Universitária de 1968: a “universidade” como instituição modelo que desenvolve atividades de ensino-pesquisa. Nessa concepção, as propostas do PARU quanto do PAIUB, não questionam a autonomia da instituição e, portanto, a avaliação não está relacionada nem com autonomia nem com financiamento. Nessa concepção, avaliar consiste em pesquisar a instituição para detectar pontos a serem melhorados ou mantidos. A idéia subjacente é formativa, a avaliação é um subsídio para a melhoria da qualidade, por meio da avaliação institucional (PARU) e da avaliação interna (PAIUB).
O relatório da Comissão para a Reformulação da Educação Superior e o documento do GERES apresentam uma proposta de avaliação que está baseada num questionamento do sistema existente. Nos documentos, há forte ênfase na idéia de que a universidade (modelo privilegiado pela reforma universitária de 1968) não seria o único modelo de instituição de educação superior desejável. Então, por ela ser privilegiada com a autonomia, deveria prestar contas das suas atividades, e os recursos financeiros deveriam ser estabelecidos de acordo com os seus resultados. A perspectiva inclui a avaliação externa, inter pares, para garantir resultados mais objetivos.
O GERES foi um grupo executivo, o que, às vezes, no Brasil, se confunde com legislativo e, na sua proposta, não desenvolveu idéias novas, mas selecionou aquelas da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior que apresentavam e resumiam toda uma concepção de educação superior ─ a da diversificação institucional e da avaliação para alocação de recursos ─ e que iriam guiar as políticas de educação superior da década seguinte. Vale, ainda, destacar que, no documento do GERES, é embrionária a idéia de que a avaliação da educação pública deveria cumprir o mesmo papel que o mercado consumidor de educação tem em relação à educação privada, isto é, controle da qualidade do desempenho institucional.
Já o PAIUB, na seqüência, recupera idéias do PARU, quanto ao foco na instituição e na participação da comunidade acadêmica, retomando a concepção de avaliação como melhoria da qualidade. Diferentemente do PARU, o PAIUB, formulado após os trabalhos da Comissão e do GERES, incorpora alguns elementos indicados por eles para a avaliação das instituições, principalmente, a avaliação externa e os indicadores quantitativos que propõe, mas sem por isso, adotar o modelo da diversificação institucional e, muito menos, a intenção de atrelar avaliação com financiamento ou regulação.
Quanto ao papel das agências, o documento da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior antecipa discussões posteriores (meados da década de 1990) sobre a função do Conselho Federal de Educação, seja ele uma “agência de avaliações”, com a função que algumas delas têm em alguns países da América Latina, ou redirecionando parte de suas tarefas para o Ministério da Educação. Também são colocadas alternativas usadas em outros países quanto à acreditação de faculdades isoladas por Universidades.
Nos documentos, há unanimidade de que a avaliação da pós-graduação brasileira realizada pela CAPES seria determinante para a qualidade desse nível educacional. Em nenhum deles, essa avaliação foi colocada em xeque. Mesmo o documento do PAIUB – no qual se defende a avaliação institucional como um processo interno – não a problematiza e nem questiona o fato de ela ser uma avaliação basicamente externa. Os documentos da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior e do GERES, ainda, apontam que seria exemplar para os outros níveis a prática da avaliação por pares realizada pela agência.
Merece destaque assinalar que, embora o modelo proposto pela Comissão seja a base do que viria a ser a educação superior brasileira a partir de meados da década de 1990, a relação direta entre avaliação e financiamento foi, apenas, parcialmente implantada no Brasil. Ou seja, não se verifica o uso dos resultados da avaliação sistêmica como critérios unívocos e determinantes para a alocação de recursos, apesar de esses resultados serem considerados na aplicação de certas políticas de educação superior, tais como a Gratificação de Estímulo à Docência (GED) nas IFES, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PRO-UNI) nas IES privadas (AMARAL, 2005)16
A análise dos documentos permite detectar tópicos que fizeram parte do desenvolvimento futuro da avaliação da educação superior no Brasil, nas décadas posteriores de 1990 e 2000. A utilização do mercado com elemento de regulação, insinuada pelo GERES, tomaria forma com a introdução de um instrumento novo17 o Exame Nacional de Cursos (BARREYRO, 2004; ROTHEN, 2003). Com esse instrumento somado à Avaliação das Condições de Oferta recupera-se a idéia do PAIUB de iniciar a avaliação pelos cursos de graduação. A partir de 2004, com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), tem-se a implantação de uma proposta que, por um lado, recupera a educação superior como um bem público e a centralidade da auto-avaliação, mas, por outro, resgata a idéia da avaliação como referencial para a regulação, assumindo elementos das duas concepções de avaliação e as ressignificando (BARREYRO; ROTHEN, 2006). Mas isso é uma outra história…
BARREYRO, Gladys Beatriz; ROTHEN, José Carlos Para uma história da avaliação da educação superior brasileira: análise dos documentos do Paru, Cnres, Geres e Paiub. Avaliação (Campinas) , Sorocaba, v. 13, n. 1, 2008
Veja Avaliação e Regulação da Educação Superior brasileira: história e políticas