Gladys Barreyro e José Carlos Rothen
O texto analisa a política de avaliação da educação superior desenvolvida durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Trata-se de uma pesquisa documental que utiliza a legislação e documentos oficiais do período como principal fonte de informação. O ponto de partida foi mostrar que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) implicou uma mudança na lógica da avaliação imperante. Para tanto, recupera-se o percurso da criação do SINAES, sua implantação e seus desdobramentos, distinguindo-se quatro fases: a) a proposta de uma nova política; b) a criação de legislação para alavancá-la; c) a implantação da lei; e d) a volta à lógica da política anterior (Provão), com a inclusão de índices. Conclui-se que o SINAES tentou empreender uma mudança na lógica de avaliação instituída desde o Provão, acrescentando três eixos na avaliação do sistema: a) a avaliação institucional com autoavaliação, em que se recupera o paradigma da avaliação formativa, b) a avaliação de cursos; e c) a avaliação dos estudantes, eliminando o Provão, mas criando uma prova em larga escala com outras características – o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Contudo, em sua implantação, o SINAES sofreu profundas transformações a partir da criação do Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e do Índice Geral de Cursos (IGC), que foram incorporados ao final do segundo Governo Lula. Os resultados do ENADE são seu componente de maior peso, mostrando que a lógica de regular o sistema pelos resultados de uma prova continua em vigor.
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Considerações finais
Nos Governos Lula, as políticas de avaliação deixaram de ter a centralidade que tinham no Governo FHC, em que seus resultados embasavam a expansão do ensino pela via do setor privado. Os Governos Lula continuaram com a ampliação do acesso, mas priorizaram sua democratização, isto é, a inclusão de setores de menor renda, pardos e negros, indígenas e alunos de escolas públicas. Em que pese a ampliação das matrículas em instituições federais (universidades, institutos de tecnologia e UAB), o predomínio das matrículas no setor privado se manteve (75%).
Houve a tentativa de criar um sistema de avaliação que resgatasse os princípios do PAIUB, especialmente no primeiro Governo Lula, em que, como foi dito, o setor de professores ligados à ANDIFES e/ou ao PAIUB ocupou cargos na Secretaria de Educação Superior, no Inep e na CONAES, e pôde criar e começar a implantar o SINAES. No segundo Governo Lula, durante a gestão de Haddad, os professores das IFES foram perdendo influência na educação superior.
No meio do segundo governo, foram criados índices para a educação básica e para a educação superior, seguindo a tendência internacional de governar por indicadores. Mas, enquanto na educação básica o IDEB é utilizado para monitorar o desenvolvimento da educação e para definir regiões que receberão apoio do Ministério da Educação, na educação superior os índices são utilizados para regular o sistema. Na prática, apesar de as instituições federais estarem submetidas a esse sistema de regulação, ele exerce pouca influência, pois o desempenho dos alunos costuma ser maior que o mínimo exigido. Já para as IES privadas, resultados menores aos exigidos significam não apenas monitoramento via visitas de especialistas e eventuais compromissos de melhoria, mas também impedimentos para participação no Programa Universidade para Todos (PROUNI) e em solicitação de créditos junto ao BNDES. Ainda, os resultados acabam se tornando um selo de qualidade e são utilizados para marketing institucional. No final do governo Lula, os resultados aferidos pelos índices foram incorporados nas normativas de credenciamento e recredenciamento de IES e, especialmente, das universidades.
Em conclusão, embora em 2003, com a proposta da Comissão Especial de Avaliação – o SINAES e seus instrumentos de avaliação institucional e autoavaliação –, ensaiasse-se uma mudança radical nas práticas de avaliação da educação superior, no sentido de não deixar apenas o mercado regular o sistema, exercendo o próprio Ministério ações de supervisão, a partir de 2008 foi se recuperando com mais vigor a lógica do Governo FHC de ter um exame de larga escala como referência para a regulação do sistema.
BARREYRO, Gladys Beatriz; ROTHEN, José Carlos. Percurso da avaliação da educação superior nos Governos Lula. Educação e Pesquisa (USP. Impresso), v. 40, p. 61-76, 2014.
Veja Avaliação e Regulação da Educação Superior brasileira: história e políticas