José Carlos Rothen e Gladys Beatriz Barreyro
A elaboração e a implantação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) foram marcadas por percalços e embates nos bastidores do governo Lula. Verifica-se que atos normativos e diretrizes mostravam contradições entre si. Em 2008, contrariando a expectativa de que o SINAES teria papel central na regulação, foram criados dois índices com esse fim: o Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC). A criação de um instrumento simplificado de avaliação para a regulação, a utilização de ranques e o uso intensivo da mídia resgatam práticas centrais da política da educação superior do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Tendo como objetivo a identificação das continuidades e rupturas entre os dois governos, discute-se aqui a hipótese de que a adoção dos índices responde à obrigação herdada de regular o sistema pela via da avaliação, pois – apesar da inclusão social proposta pelo governo – a lógica privatizante continua.
Considerações finais
A avaliação da educação superior, no país, tem uma história que apresenta idas, voltas e transformações. No primeiro governo Lula, criou-se um sistema que vinculava a regulação da educação superior a um sistema de avaliação, o SINAES. No segundo governo, adotandØo-se a visão economicista de criar índices, foi reeditada a prática do ranque, desenvolvida pela imprensa durante os governos FHC, estimulando o uso mercantil dos resultados e promovendo a concorrência entre instituições. Assume-se, assim, como herança, a concepção de que o papel do Estado é o de induzir e garantir a concorrência entre as instituições.
Diante da herança regulatória do governo FHC, que se faz presente como um eterno retorno, o SINAES perde sua face avaliadora. A autoavaliação, instrumento da avaliação institucional conduzido pelas Comissões Próprias de Avaliação das ies, constituídas pelo SINAES, perde peso nesta nova configuração. Quanto à avaliação de cursos: perdem-se as visitas in loco e a peer review, metodologia internacionalmente aceita nos sistemas de avaliação e acreditação, ao serem restritas aos cursos sob supervisão. Assim, a avaliação formativa é “des-induzida”, ao privilegiar os resultados do ENADE sobre os outros. Tantas são as semelhanças entre as duas práticas que Leite (2008) ironiza: atualmente se tem o “enadão”, uma mistura do ENADE com o “Provão”.
No governo FHC, a avaliação e a regulação embasavam a política de educação superior que visava a expansão do sistema pela via da iniciativa privada, em detrimento do setor público. No governo Lula, a ampliação do acesso é um objetivo de política, mas não apenas pela via privada, mas também pelo setor público com a criação de novas ies federais. Um novo objetivo é acrescentado: a inclusão, com critérios sociais (desigualdades de raça/etnia, cor, escola pública ou privada do ensino médio e renda familiar), também chamada de democratização do acesso, que é fomentada pela adoção de cotas e pelo PROUNI. Contudo, esse objetivo de inclusão social não muda substancialmente a lógica privatizante.
A dificuldade de administrar a regulação dentro dos princípios do SINAES, tendo como base processos de avaliação e o represamento dos processos e criando a dificuldade da emissão de diplomas, pode explicar, mas não justificar a criação dos novos índices. A falta de capacidade para, efetivamente, implantar o ciclo do SINAES aponta para a revisão do processo de regulação e o regate da discussão sobre a reforma da educação superior. Com a opção de criar o Índice Geral de Cursos (somatória da avaliação de cursos), o Ministério da Educação mostra-se um bom herdeiro e, finalmente, implanta o projeto “Provão“: regular todo o sistema a partir de resultados simplificados, tendo por base uma prova de larga escala.
ROTHEN, José Carlos; BARREYRO Gladys Beatriz. Avaliação da educação superior no segundo governo Lula: “provão II” ou a reedição de velhas práticas? Educ. Soc. vol.32 no.114 Campinas Jan./Mar. 2011
Veja Avaliação e Regulação da Educação Superior brasileira: história e políticas