José Carlos Rothen
28/11/2016
A repórter Ângela Pinho da Folha de São Paulo me perguntou
– Por que os cursos de pedagogia atraem, em regra, alunos menos preparados?
– Qual o impacto disso na aprendizagem dos alunos?
– É possível esperar que esses alunos com pior formação consigam melhorar o suficiente ao longo do ensino superior?
– Como outros países conseguem atrair bons alunos para seus cursos de formação de professores? E o Brasil, o que pode fazer?
A ela respondi.
A questão é complexa e o perfil dos alunos de pedagogia não é o meu objeto específico de pesquisa, apesar de ter conhecimento da temática. Vou lhe responder sem tentar elaborar uma tese que a complexidade do tema exige e propor algumas hipóteses.
A diferença do desempenho médio dos ingressantes nos cursos de medicina, matemática/química/biologia e os de pedagogia pode ser explicada pela a oferta de vagas, demanda pelo curso e características do mesmo.
Comecemos pela demanda
A escolha de um curso é motivada por várias razões: a mais “nobre” é a vocação para uma determinada profissão, a ela se soma outras, a valorização social por determinada profissão, a oferta do curso de forma que se possa cursa-lo, a influência de parentes, os objetivos para a realização do curso etc. Normalmente a escolha de um curso é a conjunção de vários fatores.
A profissão de professor é uma profissão que tem um certo “glamour”, sempre se ouve falas sobre um professor com algum tipo de admiração (por ser “carrasco”, por ensinar bem, por ser amoroso etc.). Um dos nossos primeiros modelos de profissão que temos contato é a de professor. Assim a profissão tem um potencial para despertar vocações.
Apesar do “glamour” da profissão ela é desvalorizada socialmente, só ver as denúncias de baixo salário, o desrespeito dos governantes aos professores, a tendência de transferir a culpa dos resultados educacionais aos professores desresponsabilizando as políticas educacionais.
Debate a não atração da docência
Alguns estudantes vocacionados a profissão de professor são desestimulados a buscarem o curso de pedagogia e as outras licenciaturas. Então quem busca o curso de pedagogia. Como hipótese apresento três perfis: o vocacionado, aquele que gostaria de fazer um curso qualquer de educação superior e aquele que busca usar o curso de pedagogia como ponte para outros cursos (nas universidades federais muitos alunos escolhem o curso de pedagogia por ser mais fácil de entrar com a expectativa de pedir transferência para outros cursos, o que efetivamente acaba não acontecendo, sendo a evasão desses cursos muito alta).
Como parte significativa dos alunos vocacionados com boa formação não buscam o curso de pedagogia, aumenta o número de vagas disponíveis para os alunos com pior formação que gostariam de fazer qualquer curso ou que desejam fazer a ponte para cursos mais relevantes. O que diminui o “nível” dos alunos que concorrem para as vagas.
No caso do curso de medicina a valorização social é crescente.
O desempenho dos ingressantes cursos matemática/química/biologia que não são exclusivamente de formação de professores é melhor que o de pedagogia, mas não a ideal. Como estes cursos não formam apenas professores, parte dos alunos vocacionados buscam estes cursos, apesar que há uma busca por esses cursos dos alunos que não conseguiram ingressar em outros. Esta característica pode explicar o melhor despenho dos cursos de matemática/química/biologia
Comparativamente a oferta de vagas nos cursos de medicina é menor que a oferta de vagas para os cursos de matemática/química/biologia, e muito menor que as vagas do curso de pedagogia (ao lado de administração e direito é um dos cursos que tem maior número de vagas, seria interessante comparar o nível desses alunos com o curso de pedagogia). Além do mais, no Brasil se tem um número de vagas para os cursos de medicina muito aquém da demanda dos estudantes e da demanda da sociedade por médicos.
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Na equação demanda/oferta. Os ingressantes dos cursos de medicina terão obviamente um melhor desempenho.
Comparando com o restante do mundo. Infelizmente a profissão de professor é mundialmente desvalorizada. Como a maior parte dos professores trabalham no setor público e com as políticas de diminuição de gastos do estado a maioria das políticas mundiais são de desvalorização do professor, ao contrário do que pensamos. No Brasil a desvalorização é maior, mas não é uma exclusividade nossa. A ideia que a competição entre as escolas é que irá melhorar o ensino, acaba justificando as políticas de desvalorização do magistério e a diminuição de recursos para a educação.
A consequência da busca de cursos de formação de professores por alunos com desempenho pior?
No processo de formação dos estudantes sempre é possível superar as limitações de formação. Isto depende de dois fatores, a escola que frequenta e o esforço do estudante. Considerando que em linhas gerais temos dois tipos de instituições de educação superior: as de alto desempenho (que incluí as federais, boa parte das estaduais e algumas particulares) e as de massa mercantis. Os alunos que com dificuldades ingressarem em instituições de alto desempenho ao se esforçarem terão condições de superarem as suas dificuldades. As que entrarem no segundo grupo terão muita dificuldade de supera-las. Como consequência para o restante da educação é que teremos, por um lado, professores muito bem formados que provavelmente se dedicarão a educação das elites e um grande universo de professores mau formados que se dedicarão a formação do restante da população, o que acaba ajudando a aumentar o fosso social. O finado Ministro da Educação Paulo Renato que ajudou a expandir este sistema mercantil ao assumir a secretário da educação do Estado de São Paulo, reconheceu que o sistema expandido forma mau os professores.
Temos uma luz no fim do túnel? Temos, mas é a luz de um trem vindo em nossa direção.
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