Tecnocracia e educação: a utopia político-social saintsimoniana
Flávio Reis Santos José Carlos Rothen
O objetivo do presente estudo é o de identificar a fundamentação tecnocrática contada na obra de Saint Simon para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, bem como apontar a utilidade instrumental do campo educacional para a adequação dos sujeitos aos padrões definidos e/ou convencionados pela sociedade. Para tanto, optamos por empreender uma pesquisa de cunho bibliográfico, na razão em que acreditamos que os livros e as obras de referência constituem fonte perene da qual é possível retirar as evidências de que precisamos para sustentar teoricamente as nossas declarações e argumentações. No seio da utopia saintsimoniana, concluímos que a sociedade tecnocrática pode ser apreendida pela primazia da eficiência técnica produtiva, pela utilização e aplicação racional dos recursos materiais e intelectuais, pela valorização das atividades inerentes ao exercício da autoridade profissional na perspectiva de garantir o bem-estar individual e coletivo de toda a sociedade.
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Conclusão
Entendemos que a sociedade tecnocrata proposta por Saint Simon deve ser apreendida pela primazia da eficiência técnica produtiva, pela utilização e aplicação racional dos recursos materiais e intelectuais, pela distribuição e redistribuição igualitária da riqueza produzida destinada ao consumo final. Pode ser apreendida ainda, pela valorização das atividades inerentes ao devido exercício da autoridade profissional e pelos aspectos humanos com vistas a garantir, em plenitude, o bem-estar individual e coletivo de toda a sociedade
A fisiologia social saintsimoniana deveria tornar a política positiva e desvendar os aspectos fundamentais para a organização social, indicando os meios para a sua realização, isto é, a transposição dos problemas científicos e filosóficos para uma prática política, que garantiria a supressão do modelo vigente por meio de uma grande revolução, caracterizada pelo advento da sociedade industrial, entendida como a união dos homens consagrados a um esforço comum e considerados em suas relações sociais (SAINT SIMON, 1875, p. 36-39).
As proposições teóricas saintsimonianas para a organização de um sistema de ensino público associado às transformações sócio históricas que se processavam na sociedade ocidental, se constituiriam em instrumento essencial para a definição da reorganização políticosocial tecnocrática, orientada para a promoção do bem-estar coletivo, mediante a divisão, distribuição e redistribuição das riquezas, de acordo com a capacidade produtiva de cada pessoa/trabalhador.
A não materialização das teses de Saint Simon nos contextos históricos a qual o envolveu não diminui a sua importância, uma vez que é possível assimilar e apreender os seus fundamentos como instrumentos para o exercício intelectual e como obra política, dedicada e comprometida com as questões de ordem social, e como proposição de edificação e estabelecimento de uma nova sociedade liderada e dirigida sob as racionalidades técnicas e produtivas de cientistas e industriais.
O conjunto das obras desse intelectual estabeleceu os parâmetros e nos forneceu as bases teóricas para que pudéssemos realizar o estudo de seus fundamentos e de sua variação, bem como de sua apropriação, adaptação e utilização pela perspicácia capitalista na medida em que (re)orienta os caminhos e (re)estrutura o sistema econômico, especialmente em situação de crise, assegurando a sua existência e manutenção.
Podemos sintetizar os fundamentos orientadores das propostas teóricas saintsimonianas para a instituição de uma sociedade administrada pela ação racional da tecnocracia, considerada como uma alternativa política ao capitalismo, sob a perspectiva de uma organização cientifica do Estado, na qual e pela qual os interesses privados e as ideologias da classe dominante devem ser desprezados, em prol do bem-estar comum da população mundial, a saber:
1) Os cientistas, engenheiros, especialistas e técnicos, tanto por formação, atividade e experiência, quanto por competência e eficiência técnica, compõem o staff geral da indústria. Portanto é o único estrato de classe capaz de produzir as transformações necessárias à boa saúde da indústria e conduzir a sociedade em direção a uma vida mais digna e confortável.
2) A técnica deve substituir gradativamente a ineficiência da ação política dos legistas e metafísicos com vistas a evitar desperdício de recursos de qualquer ordem e, sobretudo, evitar a existência da corrupção.
3) O caminho a ser trilhado para formar e adequar a humanidade aos novos padrões morais e sociais é, sem dúvida, o da educação. Único campo capaz de garantir a formação e implementação de políticas públicas que atendam os interesses reais de toda a sociedade, em especial, da classe proletária, visando à promoção e garantia do bem-estar comum.
4) A tecnocracia deve zelar para que a pessoa humana tenha assegurada a oportunidade de acessar e completar a sua formação instrucional em uma instituição pública de ensino, sob a responsabilidade do Estado.
5) Os tecnocratas precisam atuar de forma hostil em relação aos políticos, às suas práticas e instituições, que, por sua vez, devem ser reduzidos a um simples problema técnico.
6) A tecnocracia deve desconfiar sempre da abertura e liberdade políticas preconizadas pela democracia, pois, no atual sistema capitalista, nem todos os sujeitos têm oportunidades iguais, que lhes assegurem ascensão social e nem tampouco são considerados igualmente capazes de tomar decisões racionais e cientificas, dada a sua própria origem social.
7) A tecnocracia deve ser contrária a determinados critérios morais ou políticos instituídos pela religião e pela classe dominante, levando sempre em consideração que todo problema deve ser tratado de forma cientifica, racional e objetiva, pois, para qualquer problema social deve existir uma solução técnica e objetiva.
8) Somente o tecnocrata é capaz de enxergar, de forma ampla e objetiva, os problemas e os males da sociedade, visto que uma de suas responsabilidades está vinculada à racionalidade técnica, dada a probabilidade de resolução dos problemas em função de sua ampla e irrestrita utilização, sempre visando ao bem comum. 9) O comprometimento do tecnocrata com a produtividade material e com o desenvolvimento cientifico e tecnológico não pode estar desvinculado dos princípios de distribuição das riquezas produzidas e de justiça social. 10) A instrução deve ser aplicada como mecanismo de ensinamento permanente dos conhecimentos essenciais para a existência e manutenção das ações e relações entre os sujeitos que integram a sociedade tecnocrática e o sistema produtivo.
Finalizamos as nossas constatações inferindo que a importância histórica dos escritos de Saint Simon está em sua apreensão como obra política e instrumento intelectual, dedicada ao estudo dos problemas e conflitos sociais, e à tentativa de construção de uma sociedade liderada e dirigida sob as racionalidades técnicas e produtivas dos cientistas e industriais em substituição aos políticos, tendo em vista promover e assegurar o bem-estar da coletividade.
SANTOS, Flávio; ROTHEN, Reis José Carlos. Tecnocracia e educação: a utopia político-social saintsimoniana. Série-Estudos, v. 39, p. 289-310, 2015.
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