Este artigo tem como objetivo apresentar elementos para a discussão sobre a disputa entre o discurso hegemônico que atrela a qualidade do ensino superior aos sistemas de avaliação, e discursos contra-hegemônicos. A fundamentação teórica deste artigo transita entre as ideias de Gramsci e as publicações recentes do grupo de avaliação da Rede Universitas/Br. Por meio de uma pesquisa qualitativa de cunho teórico e bibliográfico, busca-se uma maior compreensão de temas que envolvem a qualidade. Traz referências para evidenciar o discurso hegemônico que constrói a ideia de que a qualidade é alcançada pelo binômio avaliação e regulação, que tem como base a concorrência mercantil entre as instituições.
Evidencia-se também a existência de discursos concorrentes nomeados como contra-hegemônicos, uma vez que há uma pluralidade de ideias que permeiam o campo da educação e envolvem a temática da sua qualidade. Conclui-se que este embate entre os discursos se iniciou na década de 1980, sendo que no governo Fernando Henrique Cardoso o discurso que atrela a qualidade da educação aos sistemas avaliativos se tornou hegemônico ao serem implantadas políticas de avaliação de caráter gerencial. Embate esse que permanece presente na elaboração e implantação do SINAES.
CONCLUSÃO
A qualidade, conforme nos ensina a filosofia, é o que distingue um objeto do outro. Ela é um juízo de fato que não comporta um juízo de valor. Vários aspectos podem distinguir um objeto do outro, não existe a qualidade no singular, mas sim no plural. O uso corrente do termo qualidade o transforma em um juízo de valor positivo: uma educação de qualidade é aquela que tem virtudes, é aquela que é valorizada. Diante das diversas qualidades que distinguem uma educação da outra, se pergunta: qual qualidade valorizamos? Qual educação desejamos? Como devemos agir para alcançá-la?
As respostas a estas questões ocorrem na arena social, na qual diversos grupos com visões diferentes se posicionam. Nela, os interesses de classe são manifestados. Nesse embate, a visão neoliberal acabou tornando-se hegemônica, caracterizada pelas políticas de privatização, participação mínima estatal nos rumos da economia, abertura econômica, entre outras. Assim, a qualidade da educação serviria “para referenciar a eficiência, a eficácia, a efetividade e a relevância do setor educacional, e, na maioria das vezes, dos sistemas educacionais e de suas instituições” (DAVOK, 2007, p. 506).
No Brasil, a discussão da relação entre qualidade e avaliação tem o seu início na década de1980, quando ocorreram as primeiras propostas sistematizadas para a avaliação da educação superior, e foram delineadas as duas principais concepções de avaliação (formativa/emancipatória e regulação/controle) que estão presentes nos períodos posteriores. No governo FHC, o discurso que atrela a qualidade da educação aos sistemas avaliativos se tornou hegemônico, baseando-se principalmente na concorrência mercantil entre as IES, ao serem desenvolvidas políticas de avaliação de caráter gerencial, tal como se evidencia com a implantação do ENC/Provão.
O embate permanece presente na elaboração e nos primeiros anos de implantação do SINAES. A criação do CPC e do IGC alterou a proposta original do SINAES acentuando a visão regulatória. Gradativamente transformou o Sistema de Avaliação em um Sistema de Regulação, atrelando a qualidade aos resultados de uma avaliação externa (o ENADE). A consolidação destes índices cria uma visão economicista da educação (ROTHEN; BARREYRO, 2011b), que se insere em uma visão hegemônica de que a qualidade da educação está vinculada aos resultados obtidos nessas avaliações.
Diante da visão hegemônica da qualidade, o que consistiria hoje um discurso contrahegemônico? Aqui apontamos duas possibilidades para análises futuras: a primeira é trazer para a discussão o valor da igualdade para contrapor ao valor da concorrência; a segunda é resgatar o debate sobre o que constituiu a educação superior, superando a visão de que ela consiste na exclusiva formação de profissionais para o mercado de trabalho.
SANTANA, Andréia da Cunha Malheiros; SILVA, Ana Lúcia Calbaiser da; SOUZA, Andreliza Cristina; BERNARDES, Joelma dos Santos; ROTHEN, José Carlos; BORTOLIN, Letícia; FERNANDES, Maria Cristina da Silveira Galan; BOTIGLIERI, Pamela Cristina; BORGES, Regilson Maciel. A avaliação e a qualidade na educação superior: a consolidação de um discurso hegemônico. Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia. Morrinhos/GO v.9, n.2, 2018
O texto também foi publicado em SEMINÁRIO NACIONAL DA REDE UNIVERSITAS/Br, XXIV. Dívida Pública e Educação Superior no Brasil, 2016, Maringá – Paraná. Anais… . Maringá- Paraná: PPE/UEM, 2016. ISSN 2446-6123. Disponível em http://www.ppe.uem.br/xxivuniversitas/anais/trabalhos/e_3/3-005.pdf