De: José Carlos Rothen
Para: Você
Estrasburgo. 11 de abril de 2016
Meu amigo
Espero que esta carta lhe encontre bem, apesar do momento tenso que se vive no Brasil.
Nos debates de corredores e de Facebook, sobre a atual crise política no Brasil, nunca temos a oportunidade de dizer tudo o que pensamos. Normalmente a conversa é fragmentada e parcial. Por isso decidi escrever esta carta para organizar os meus pensamentos e lhe envio para expressar claramente o que penso. Normalmente escrevo com a preocupação acadêmica, citando fontes, etc., como se trata de uma carta a você, a escrevo de forma solta, só não resisti ao vício de dividir o texto, digo a carta, em seções.
Esquema de corrupção
Boa parte das licitações para obras públicas brasileiras são marcadas pelo acerto prévio entre as grandes empreiteiras. A notícia de que este tipo de acerto ocorre é algo antigo. Para a manutenção deste esquema há o acordo entre as empreiteiras, mas também contam com o apoio de pessoas que exercem o poder público, ou de forma ativa ou de forma passiva, ao não tomarem ações para combater este tipo de prática.
O “funcionário público” que exerce está atividade pode fazê-lo tanto por interesses pessoais, como por interesses partidários. Poderia em primeira instância parecer que os interesses partidários são mais nobres e os pessoais menos nobres. Um por ser “egoísta” e outro por fazer parte de um projeto político amplo. Os dois são eticamente indesejáveis.
O esquema de corrupção na Petrobras relatado pelo ex-diretor de abastecimento da empresa Paulo Roberto Costa, consistia na mistura dos dois tipos de interesses: o privado e o partidário, ou atendia aos dois interesses.
Como foi o processo de adesão ao esquema de corrupção. Existem várias possibilidades, uma é iniciar com o indivíduo pensando no lucro pessoal e compreendendo que é necessário fazer doações para o partido no sentido de se manter no cargo, no tipo de afirmação: “olha eu arranjei uma doação para o partido”, “fiz contatos para obter doações”; ou pode ser o inverso: o partido coloca o indivíduo em cargo chave para obter recursos e esse aproveita para pegar uma parte para ele,ou ainda, o indivíduo no cargo propõe uma associação com o partido.
Um parêntesis na conversa. No momento da delação premiada, o acusado tem que fazer denúncias que levem a outros culpados. O grande número de delações é um reflexo do julgamento do mensalão, no qual Marcos Valério, o operador do sistema, foi o que teve condenação mais pesada, os políticos tiveram pena menor. A denúncia a políticos é ao mesmo tempo uma atitude “de não vou ficar preso sozinho como ficou o Marcos Valério”, mas são elas que tem maior repercussão, por isso mesmo tem poder de mudar o foco da investigação.
Com a delação premiada de Paulo Roberto Costa e de outros a propina era direcionada aos dois interesses. Se a doação for para o primeiro sentido (interesse pessoal acompanhado de uma doação para o partido como uma tática para manter-se no cargo) o crime é do indivíduo com passividade do Partido. Sendo que no segundo ou terceiro sentido o crime é do Partido e/ou das pessoas que fizeram a ação ilícita. Pela fragmentação das informações é difícil saber qual o exato caminho.
Um agravante nesse esquema é que os principais Partidos recebem doações de todas as empreiteiras. É uma propina preventiva? É uma propina por ações nos Estados?
Financiamento privado de campanha
O financiamento privado de campanha não é uma exclusividade brasileira, ela também ocorre em outros países, como, por exemplo, nos Estados Unidos. Este tipo de financiamento tem um problema inerente, como disse Paulo Roberto Costa em uma das suas delações: “empresas não fazem doações, mas investimentos”. No caso estadunidense é recorrente a crítica que a indústria de armamentos financia muitos políticos para a defesa de seus interesses, tanto que não se aprova a restrição à venda de armas, um terrorista ou um louco podem comprar legalmente armas dentro do território estadunidense.
Estas doações transformam as campanhas eleitorais extremamente ricas. A campanha de 2014 de Aécio Neves gastou mais de 200 milhões de reais e a de Dilma Rousseff, mais de 300 milhões. É impossível alguém ser eleito sem a obtenção destes recursos. Criou-se um padrão de campanha fora da realidade, na qual é impossível, raras exceções, de alguém ser eleito sem o apoio de empresas. Dificilmente um candidato eleito irá contra os interesses de quem financiou a sua campanha.
Um dos argumentos para a doação legal, defendida, por exemplo, pelo Ministro do STF Gilmar Mendes, é que sem as doações legais teremos a prática de caixa 2, que seria melhor saber quem faz doação/investimento. Na prática trata-se da oficialização de práticas ilícitas do caixa 2. É como defender a regulamentação do assassinato, assim não teremos assassinatos ilegais.
Os partidos políticos em geral têm muita dificuldade em propor o fim do financiamento privado para as campanhas, por duas razões, primeiro porque eles estão a onde estão por causa deste tipo de financiamento, segundo, o poder econômico teria menor influência nas eleições. Um argumento contrário ao financiamento exclusivamente público é de que irá se investir mais dinheiro público nos partidos políticos, e que é melhor ficar como está. Considero esta visão equivocada pelo fato de que já temos um grande financiamento público dos partidos políticos, seria apenas adaptação a campanhas mais baratas.
Aliança com partidos de direita
O presidencialismo brasileiro tem forte dependência do legislativo, como o tem os Estados Unidos. Em tese esta dependência não é ruim, pois divide o poder de decisão do Presidente com o Congresso, aumentando assim a democracia.
Este modelo exige que o governo negocie e faça acordos com os partidos presentes no Congresso, principalmente com aqueles que fazem parte da sua base, o que não impede que também o faça com a oposição. Isso não é um problema, pelo contrário é a virtude da democracia.
O risco desse sistema é de que as negociações deixem de ser políticas e passem a ser negociações escusas, que popularmente chamamos de negociatas. O conhecido fisiologismo, “conduta ou prática de certos representantes e servidores públicos que visa à satisfação de interesses ou vantagens pessoais ou partidários, em detrimento do bem comum” (Houaiss)
O Fisiologismo é uma das marcas do Congresso brasileiro, no governo Sarney dizia-se que o lema dos políticos era uma visão deturpada da oração de São Francisco de Assis “é dando que se recebe”. Este tipo de político o PT não combateu, ao contrário fez uso deste tipo de política para governar.
Durante o governo do PT foram realizadas diversas alianças principalmente com partidos de direita em detrimento aos de esquerda, o único partido de esquerda que ficou aliado ao governo foi o PC do B. Além de não fazer alianças com partidos de esquerda, o PT, principalmente o Lula, atuou decisivamente em campanhas eleitorais contra esses partidos. É marcante o apoio, em Alagoas, a eleição para o senado de Fernando Collor, contra a eleição de Heloisa Helena, em 2014. Outro fato marcante foi, na campanha de Fernando Haddad, em 2013, à prefeitura de São Paulo, o pedido de apoio de Paulo Maluf, terrível cena, foi doloroso ver o Lula indo a uma feijoada oferecida pelo Maluf, dia no em que ele oficializou o seu apoio. O beijar a mão do Maluf foi o ápice da aliança com a direita.
Na reorganização da base política na época do mensalão o governo Lula aproximou-se do PMDB. Ainda na busca da governabilidade e de tempo de televisão para a campanha eleitoral, o governo Lula fortaleceu a aliança com o PMDB, e não satisfeito trouxe Michel Temer para a vaga da vice-presidência. A aproximação com o PMDB além do custo de adotar práticas fisiológicas pode agora lhes custar o governo. Em um primeiro momento para o PMDB o papel de coadjuvante estava bom, com o tempo percebeu-se que era pouco. Antes da campanha eleitoral de 2014 o PMDB já dava sinais que queria mais, na época pensei, esse é o momento de separar. Mas com as articulações o PT manteve o PMDB como vice.
Uma das grandes derrapadas de articulação do PT foi a eleição de Eduardo Cunha para a presidência do Congresso. Este foi início do fim. Demonstrou a falta de habilidade do governo para a articulação política, como deixou claro que o PMDB poderia pegar o poder. Na falta de habilidade colocou Michel Temer na articulação política, para fazer fisiologismo, com a caneta para nomear cargos, mas quando a tinta acabou ele deixou a função. Algumas pessoas dizem que a escolha de Dilma para disputar o cargo foi um erro, pois ela teria a mesma liderança e habilidade política que um elefante em uma loja de cristais, ou seja, nenhuma.
A aliança do PT com o PMDB é a falta de leitura de Maquiavel. Colocar um aliado que é mais forte que você em um lugar que ele pode tomar o seu lugar, é um erro primário.
Cargos no governo
A máquina do Estado para executar políticas públicas necessita de um “exército” de funcionários. Os estados modernos contam com uma burocracia especializada para isso. São pessoas que executam as políticas do Estado. Elas são fundamentais, pois dão estabilidade as ações do Estado, e suas ações são reguladas por normas pré-estabelecidas, por exemplo, na área da educação básica é possível ficar muito tempo sem o Secretário de Educação, pois um grupo de burocratas faz as escolas funcionarem, os alunos terem aulas e receberem os seus diplomas, entre eles se encontram supervisores de ensino e diretores de escola.
A burocracia, ou funcionários de carreira, tem o papel de manter a estabilidade do sistema. Contudo, se o partido político que está no governo de estado contar apenas com a burocracia dificilmente conseguirá implantar a sua marca. Assim, para administrar é necessário que ele insira os membros do partido em cargos chaves na administração pública. No exemplo da educação, além do Secretário de Educação existem vários cargos que devem ser exercidos por pessoas que são vinculadas à visão do partido que está no poder. A administração pública, que é ao mesmo tempo técnica e política, necessita, para que a visão de país vencedora nas eleições seja implantada, contar tanto com a burocracia, funcionários de carreiras, como cercar-se de pessoas vinculadas ao partido.
Uma das críticas que se faz ao PT é que ele levou os “companheiros” para dentro do governo. O simples fato de levar os companheiros para dentro do governo não é algo negativo. É necessário que os “companheiros” estejam dentro da máquina para que se implante a política vencedora nas eleições. O que é problemático é encostar um “companheiro” em um cargo da máquina administrativa apenas porque ele trabalhou na campanha ou não saiu vitorioso em algum pleito eleitoral. É claro que o “companheiro” ao ser nomeado tem que ter competência técnica para o cargo. Na área da educação, excluindo-se o Ministro da Educação e os Secretários da Educação, observa-se, em governos de diversos partidos, que a maior parte dos “companheiros” nomeados são pessoas que atuam na área.
O desvio desta prática é a nomeação de pessoas em cargos públicos para atender os interesses pessoais de aliados, em outras palavras, atender ao fisiologismo. É claro que a linha de separação entre um e outro é muito tênue.
Se você me perguntar, as nomeações dos cargos no governo do PT seguiram critérios técnicos/ideológicos ou fisiológicos? A minha resposta é no campo do “acredito que”. As nomeações anteriores a este momento provavelmente seguiam os dois tipos de critérios. Posso testemunhar, no meu contato com o MEC, todos os “companheiros” com os quais tive relações profissionais tinham competência técnica e estavam no cargo por compartilhar da visão de educação do partido. Ainda no campo do acreditar, provavelmente as atuais nomeações seguem apenas critérios fisiológicos, é troca de apoio contra o impeachment.
Deu no New York Times
O cartunista Henfil em um filme de 1987, intitulado “Tanga: Deu no New York Times?”, apresenta uma bem humorada interpretação do poder da imprensa para criar realidade. O filme ocorre na fictícia ilha Tanga, na qual considera-se que tudo que é publicado pelo New York Times é verdadeiro. A última parte do filme mostra o desenvolvimento de uma revolução que segue exatamente o que o Jornal teria publicado na véspera sobre a revolução em Tanga, se a memória não me falha, no filme, o jornal não teria feito a reportagem, mas esta teria sido falsificada por alguém.
No caso da Operação Lava Jato tem sido feito uso intensivo da imprensa para divulgar a operação, quem sabe na tentativa de buscar legitimidade para as investigações, de buscar um apoio da população para que as denúncias não sejam esquecidas, ou ainda por outras razões menos nobres.
A divulgação das notícias, ao mesmo tempo em que não são falsas, não são obrigatoriamente verdadeiras, ou fiéis a realidade. Peguemos como exemplo a Revista Veja, que na véspera da eleição de 2014, publicou em sua capa, em letras de tamanho médio: “O doleiro Alberto Youssef, caixa do esquema de corrupção na Petrobras, revelou à Policia Federal e ao Ministério Público, na terça-feira passada, que Lula e Dilma Rousseff tinham conhecimento das tenebrosas transações na estatal” e em letras garrafais “Eles sabiam de tudo”, na capa ainda se encontrava a foto de Dilma e Lula.
Para sabermos se a notícia é verdadeira ou não precisamos investigar se Youssef fez mesmo está afirmação. Imagino que tenha feito o depoimento. Assim a Revista não faltou com a verdade, pois a notícia é sobre a fala de Youssef. Agora se tem a seguinte questão: a fala de Youssef é verdadeira? Aí é o processo de investigação policial que terá de dizer. Contudo, a reportagem sobre a fala de Youssef já se tornou o julgamento e condenação: “Lula e Dilma sabiam de tudo”.
Sem a imprensa faltar com a verdade, ela relata o que outros disseram, ela não necessariamente nos dá informação sobre o fato, o que exatamente ocorreu, no caso, se “eles realmente sabiam”. Tanto que atualmente a imprensa tem algum tipo de preocupação de apresentar o outro lado, normalmente o destaque para o outro lado é muito menor.
A liberdade de imprensa é fundamental em uma democracia, ela não entra em discussão no meu ponto de vista. Contudo, a imprensa tem que ser tratada com cuidado: quais interesses ela defende? Até que ponto ela também é corrupta? Muitas reportagens parecem muito mais “fofocas da corte” do que notícias.
A contínua repetição das denúncias de forma fragmentada torna o fato verdadeiro: “Deu no New York Times”. A população em geral tem a fé de que aquilo que a imprensa pública é a pura descrição dos fatos, ou seja, é uma verdade.
Meu amigo, diante das denúncias você deve estar me perguntando: você não acredita que houve corrupção? Como as investigações ainda não terminaram e não faço parte da polícia, posso dizer o que acredito, e acho que seja a verdade:
a) existe um esquema de fraude nas licitações.
b) grande parte dos partidos são envolvidos nesse esquema ao receberem doações de empresas.
c) que o PT não criou o esquema corrupção, ele existe há muito tempo.
d) que junto com os outros partidos da coligação, o PT obteve benefícios deste fluxo de dinheiro para a Campanha.
e) que os Partidos de oposição também obtiveram benefício neste fluxo.
f) O caso do sítio de Atibaia. É um presente ao Lula, que usou recursos provindo de doações de empresas. No meu “acreditar, não sei dizer até que ponto ele agiu ativamente ou não para obter esses recursos. Avalio que este tipo de presente tem no mínimo conflito de interesse.
g) O caso do tríplex do Guarujá. Creio que efetivamente não é dele, no máximo pode ter sido um “presente” que começou a ser preparado para ser dado e, que, em algum momento, a ideia foi abortada.
Por que os intelectuais são contra o impeachment
Há um tempo vi uma reportagem na qual afirmava que os intelectuais apoiavam o governo Dilma, porque viviam na mamata dos projetos aprovados. Esta visão tem dois erros: o mais básico deles é considerar que dinheiro para projeto de pesquisa é para o uso pessoal, o dinheiro de pesquisa é para comprar e financiar o trabalho que será realizado. É a mesma coisa que dizer que um torneiro mecânico pode ser considerado rico pelo fato do seu patrão ter comprado um “torno informatizado” e estar comprando o material para fazer as peças. Ou dizer que um vendedor vive na mamata pelo fato da empresa pagar viagens para que ele atenda os clientes. Financiamento de projeto é financiar ferramenta de trabalho.
O segundo erro é pensar que a ideia de que o Brasil pode “fazer ciência” é coisa do PT. Infelizmente temos que reconhecer que boa parte da estrutura de financiamento da pesquisa no Brasil teve a sua origem nos governos militares. O financiamento de projetos passa por avaliações por pares que levam em conta o currículo do pesquisador e da qualidade do projeto. O financiamento da pesquisa é totalmente blindado a interferências políticas. Tanto que mesmo no regime militar pesquisadores de esquerda tinham projetos aprovados.
Por que são contra? Pelo fato de que compreendem que o pedido de impeachment não está baseado na denúncia de corrupção, mas sim na busca em alterar para pior o atual equilíbrio de forças.
Os fundamentos do governo Lula
As políticas implantadas pelos governos do PT estão relacionadas com a sua visão do papel do Estado. Ao terminar as primeiras palavras desta seção, pensei: “será necessário escrever um tratado”, prometo não exagerar.
A discussão atual sobre o estado está relacionada ao seu tamanho e quais atividades ele deve realizar. De modo bem genérico o Estado tem as seguintes atividades.
= de regular (estabelecer normas e fiscalizar a sua aplicação);
= de polícia;
= de assegurar a reprodução e manutenção da vida: (saúde, educação, ciência e cultura);
= de infraestrutura (estradas, portos, apoiar a produção de ciência e tecnologia)
= de liderança comercial do país
Principalmente a partir do governo Fernando Henrique Cardoso foram implantadas políticas de cunho neoliberal que compreendem que o estado deve reduzir ao mínimo a realização das atividades acima listadas. Estas atividades devem ser deixadas para o mercado. Por exemplo, as atividades para reprodução e manutenção da vida, devem ser compradas pelos seus consumidores. Assim a saúde é de responsabilidade dos planos de saúde, a educação deve ser adquirida em escola particulares, etc.
O maior erro dessa visão é a compreensão de que o mercado sempre faz regulações virtuosas, a concorrência diminui o preço e aumenta a qualidade. O que não é verdade. Outro erro é a ideia de que o setor privado tem interesse e capacidade de investir em infraestrutura. Um exemplo é a criação da quinta faixa da Rodovia dos Bandeirantes no Estado de São Paulo. A operação dessa rodovia é privada, mas o financiamento e realização da quinta faixa foi realizada por conta do Estado de São Paulo.
Ao assumir o poder, o PT mantém intacta boa parte da política neoliberal da era FHC e implanta políticas de intervenção estatal. Como prometi não vou fazer um tratado comentando todas as políticas, vou pegar um exemplo, que conheço melhor, a educação superior.
No governo FHC, implantou-se uma política de expansão exponencial da educação superior privada e ao mesmo tempo de contenção da educação superior pública. É bom lembrar que a educação superior tem três grandes atividades: o ensino, a pesquisa e a extensão. A ideia era passar para a iniciativa privada a oferta de ensino e a realização de pesquisa para organizações sociais.
Ao assumir o poder o PT manteve a política de expansão da educação superior privada e investiu fortemente na expansão do setor público.
Desde 1995 trabalho na educação superior, inicialmente no setor privado e a partir de 2008 no setor público. Trabalhei em algumas instituições que tinham o foco quase exclusivo no ensino. Por mais que reconheça que estas instituições tinham alguma preocupação sincera com a aprendizagem dos seus alunos, mas não dá deixar de considerar que para sobreviver no mercado educacional, os alunos eram tratados como clientes. Como o pessoal de marketing diz: “o cliente sempre tem razão”. O aluno ao ser tratado como cliente tem a sua formação humana e profissional comprometida. Outra característica do setor privado é que as necessidades de aumentar os lucros e de alinhar os custos ao preço do produto conduz a oferta de condições de ensino inadequadas.
Antes de ir para a UFSCar, trabalhei em uma Instituição privada que desejava ter programas de mestrado e doutorado. Eles mantinham um grupo de professores nesses programas com condições de trabalho totalmente diferente dos professores que se dedicavam ao ensino. Um dia, perceberam que o custo de realização de pesquisa é alto, cansaram da “brincadeira” e fecharam os dois programas de mestrado que tinham.
A formação de profissionais de alto nível e a produção de ciência e tecnologia não podem ser deixados exclusivamente ao setor privado e em nenhum lugar do mundo isso é feito. Mesmo nos Estados Unidos, no qual existem inúmeras instituições privadas, as principais Universidades ou são estaduais ou são de fundações, que não tem nada de privado. As taxas escolares que os alunos estadunidenses pagam é apenas uma parte do financiamento das Universidades daquele país.
Nos governos do PT, a expansão e a criação de novas Universidades públicas é resultado da compreensão de que o Estado tem importante papel para o desenvolvimento do país.
Crise econômica
Não sou um especialista em economia, mas tenho a minha leitura da crise. Antes de mais nada, apresento alguns pressupostos.
O capitalismo sempre foi globalizado, por exemplo, o mercantilismo usava como base o ouro produzido nas colônias. Com o avanço dos meios de comunicação e de transporte, a partir da segunda metade do século XX, a globalização teve intensificação exponencial. Hoje as economias são intimamente interligadas, não é possível qualquer análise econômica sem levar em conta o contexto internacional.
O capitalismo se for deixado dirigir exclusivamente pelas regras de mercado tende a se autodestruir. As empresas capitalistas para sobreviverem tendem a diminuir o rendimento de seus funcionários visando o aumento do seu lucro, em outras palavras, aumentar ao infinito a mais valia. Outra tendência da concorrência capitalista é a criação de Monopólios, as empresas maiores “engolem” as menores. O Estado viabiliza o sistema capitalista ao defendê-lo do próprio capitalista, para tanto, regula as relações econômicas, faz distribuição da riqueza ao oferecer serviços públicos, faz reprodução da força de trabalho através das escolas.
Estamos vivendo uma fase específica do capitalismo, o capitalismo financeiro. Este tem o seu lastro, tanto, na economia real, na produção agrícola, industrial e no setor de serviços e comércio, como, na especulação financeira. A especulação financeira, ao mesmo tempo que precisa da economia real para rolar as suas “apostas”, busca desenvolver-se além dela. A crise de 2008 é resultado da expansão da especulação financeira muito além do desenvolvimento da economia real, no jargão dos economistas, criou-se uma bolha especulativa.
Ah! Não posso esquecer o terceiro e principal lastro: a dívida pública. Grande parte da especulação financeira se dá em torno das dívidas dos Estados Nacionais. A responsabilidade fiscal é importante para o mercado financeiro quando ela permite a rolagem da dívida. Ao pagar os juros, os Estados Nacionais alimentam o lucro do mercado financeiro. O pagamento da dívida não interessa, onde o dinheiro seria investido? Se um dia os donos das maiores fortunas do mundo se reunissem e pagassem a dívida pública estadunidense, o sistema financeiro internacional entraria em um caos muito maior do que a crise de 1930.
Na eleição presidencial de 2002, o então candidato Lula, para diminuir as reações do mercado financeiro contra a sua candidatura, escreveu a “Carta ao Povo Brasileiro”, que em bom português foi uma “Carta ao Mercado Financeiro”. Nela ele se comprometia a manter a política fiscal do Governo FHC, a qual era favorável ao mercado financeiro. Ele cumpriu a sua promessa: manteve compromissos de meta fiscal, taxa de juros e valor do dólar determinada por regras do mercado etc. O presidente nomeado no Banco Central, Henrique Meirelles, tinha uma história profissional vinculada ao mercado financeiro.
Nesse ponto o governo Lula foi igual ao governo FHC, como será em outros. A grande diferença é que os governos do PT têm a compreensão de que o Estado tem papel determinante no desenvolvimento econômico e que os serviços públicos não podem ser exclusivamente ofertados pelo mercado. Os governos do PT não buscaram diminuir a ação da iniciativa privada, mas não deixaram exclusivamente nas mãos dela. Por exemplo, na área da educação superior, o sistema privado continuou a se expandir exponencialmente, mas ao seu lado o sistema público teve forte expansão.
O governo FHC defendia que as políticas públicas deveriam ser focalizadas nos mais necessitados. Os governos do PT continuaram está política, a diferença é a intensidade. As medidas focais do governo FHC eram tímidas, enquanto que as do governo Lula foram intensas. Um exemplo é o “Programa Bolsa Família”, que já existia no governo FHC com outro nome, mas o grau de intensidade desta política é muito maior nos governos do PT.
As políticas de inclusão do Governo Lula tiveram forte influência na economia. O aumento do salário mínimo, outras políticas de inclusão e o aumento da oferta de crédito popular tiveram como consequência a elevação do consumo, o que faz a roda da economia rodar, tanto a real, quanto a da especulação financeira.
Além das políticas de inclusão, as políticas de investimento em infraestrutura e a exportação de commodities também ajudaram a rodar a economia.
O Governo Dilma com a mesma visão intervencionista do Governo Lula buscou dar um passo além. Com o objetivo de desenvolver a economia ela elegeu alguns setores para terem o apoio do Estado, com desoneração fiscal e empréstimos subsidiados ao setor privado. Com esta opção aumentou-se o gasto público, que já tinha sido aumentado com as políticas de expansão do estado. Em detrimento do mercado financeiro para favorecer o setor produtivo, rompeu-se, pelo menos parcialmente, o acordo da “Carta ao Povo Brasileiro”, buscou-se baixar a taxa de juros em contraposição as regras do mercado financeiro. A ideia era que apoiando alguns setores produtivos se teria a natural expansão da economia e consequentemente aumentar-se-ia a receita do Estado por meio de impostos. Tentou-se criar um círculo de crescimento. A aposta não deu certo. O que teria levado a não dar certo? Algumas hipóteses:
= O crescimento da economia estadunidense atraiu o capital que estava disperso pelo mundo, como consequência o dólar subiu no mundo inteiro. Até o Euro desvalorizou-se diante do dólar.
= Outro fator externo que prejudicou a economia brasileira foi a crise da China, um dos principais parceiros comerciais do Brasil.
= Nesse cenário a política de baixa de juros levou a saída maior de capital do Brasil.
= A desvalorização do real foi maior do que nos outros países, a recente valorização do real é causada pelo fato de que a desvalorização foi acima do que a “regra de mercado” determinaria.
= A negociação para o apoio ao setor produtivo não foi bem realizada, a contrapartida do setor apoiado não foi bem definida, apoiou-se com poucas exigências. Acreditou-se que o mercado agiria sozinho, os benefícios na verdade não exigiam nada em troca.
= A maior parte dos setores apoiados é constituído por empresas multinacionais que tem as suas políticas determinadas fora do Brasil, por exemplo, a indústria automobilística.
= A falta de uma burguesia brasileira.
= A construção civil, principalmente nas grandes obras públicas, que seria uma das áreas de expansão do capitalismo brasileiro, é um dos setores mais marcantes da corrupção.
= A Copa do Mundo teve uma influência negativa na economia brasileira. A espera da copa fez com que alguns setores parassem. Outro aspecto importante foi o erro de avaliação do impacto positivo para a economia que a Copa do Mundo poderia ter, por exemplo, o setor de turismo teve movimento menor durante a copa do que em outros anos do mesmo período.
A crise da Petrobras
Imagino que a crise da Petrobras deve ser abordada em três dimensões: baixa do preço do petróleo; a política de valorizar os fornecedores externos; e o da corrupção.
As análises do senso comum dirigem-se apenas ao fato da corrupção dentro da empresa. Toda a sua crise teria tido a sua origem na corrupção.
Na proposta do candidato Lula, a Petrobras teria um papel importante de desenvolvimento do país, tanto pela produção de Petróleo, quanto pelo estímulo a produção interna, ao optar por fornecedores instalados no Brasil. Algumas pessoas apontam que esta opção junto com a corrupção é um dos fatores da sua crise, pois o seu gasto com fornecedores é maior do que se utilizasse fornecedores instalados no exterior “não” corruptos.
No ano de 2015 o preço do Petróleo caiu pela metade. Esta queda é justificada tanto pelo aumento da autonomia estadunidense do petróleo externo, quanto pela entrada no mercado do “Estado Islâmico”, que para atrair compradores oferece petróleo mais barato. Não há empresa que consiga não entrar em crise tendo o preço do seu produto principal caindo pela metade de uma hora para outra.
Políticas sociais e meritocracia
Acusam que as políticas sociais criam um grupo de pessoas vadias e por isso não reconhecem o mérito de quem trabalha. Um dos exemplos seriam as políticas de cotas.
As sociedades capitalistas em geral criam a exclusão, elas não conseguem incluir a todos. A sociedade brasileira não é uma exceção, nossa sociedade tem um histórico de exclusão e de políticas públicas que excluem determinados grupos sociais das disputas meritocráticas. As políticas sociais de caráter compensatório dos governos do PT buscam dar condições para que os grupos excluídos comecem a participar das disputas meritocráticas. O melhor exemplo disso são as políticas de cotas. As cotas não são um atalho para pessoas vagabundas, como dizem os seus críticos, mas é uma forma de dizer às pessoas das classes populares que elas podem participar do processo. Se tomarmos as notas de entrada no processo seletivo da UFSCar, a nota do último aluno que entrou por cotas é muito próxima da nota dos alunos que entraram pela concorrência ampla. Então por que a política de cotas se eles entrariam de qualquer forma? Elas são uma maneira de dizer aos alunos das classes populares: estudem que vocês terão chance. Rompe-se com a barreira psicológica/social.
Muitos críticos dizem que a bolsa família gera um “bando de preguiçosos”. Se pensarmos que a classe média às vezes em um almoço de domingo gasta mais do que o valor da bolsa família. Se este valor que a minha família gasta em uma refeição permite que eles vivam preguiçosamente, então vemos o quanto a desigualdade é monstruosa no nosso país. Com certeza, alguns ou muitos não usarão esta bolsa para sair da miséria, mas com certeza alguns ou muitos têm nela a oportunidade de sobreviver e ser inserida no sistema capitalista. Nada muito revolucionário por sinal.
A sustentação dos governos do PT
Os governos do PT se sustentaram em três pilares: o atendimento aos interesses do mercado financeiro; atendimento às demandas sociais de inclusão e de assistência; e fisiologismo/corrupção.
O atendimento aos interesses do mercado financeiro se encontra na manutenção da política neoliberal implantadas nos governos Fernando Henrique Cardoso.
As políticas de inclusão e assistência estão relacionadas às políticas de acesso e permanência à educação superior (cotas e Prouni), programas de formação profissional, programas de investimento na saúde pública, e a implantação do bolsa família.
Apoio do congresso através do atendimento aos interesses do fisiologismo podem ser identificados na oferta de cargos públicos, em liberação ou não de recursos das emendas parlamentares ao orçamento e na tolerância às ações de corrupção. Apesar do fortalecimento dos órgãos de investigação e da elaboração da lei da delação premiada, que conforme mostram as investigações, elas ocorreram com frequência.
O equilíbrio destes três apoios é instável, pois eles têm interesses contraditórios e concorrentes.
O primeiro grande desequilíbrio desse tripé de apoio ocorreu na época do mensalão, no qual vieram à tona a compra de votos dos deputados para a instituição de políticas públicas. Com a economia tendo bons resultados e o sucesso das políticas sociais o equilíbrio entre as forças se recompuseram.
Nesse momento, há um novo desequilíbrio entre as forças de sustentação do governo. Um dos estopins foram as denúncias que vieram à tona com a Operação Lava Jato. Novamente a questão fisiologismo/corrupção se tornou clara. Nesse momento o reequilíbrio entre as forças se tornam mais difíceis.
De um lado, o atendimento às demandas sociais dá sustentação ao governo; por outro lado, os indicadores da economia não são bons e houve uma parcial ruptura do acordo da “carta ao mercado financeiro” a partir do momento em que o governo tentou fortalecer o setor produtivo com incentivos fiscais e oferta de crédito. Como não deu certo, a política de fortalecimento do setor produtivo até os representantes da burguesia industrial, leia-se FIESP, pedem o impeachment.
Diferente da crise do mensalão, nesse momento a parte fisiológica do Congresso tem como assumir o poder, naquela época o vice-presidente era José Alencar, um empresário/político, diferente do atual vice Michel Temer, um político de carreira, que visualiza como ápice da sua carreira política a Presidência da República.
Nesse desequilíbrio das forças de sustentação entra em cena uma nova força: a classe média.
O mundo neoliberal é para classe média?
As políticas neoliberais são construídas pensando em uma família de classe média, com os pais tendo entre 40 e 50 anos, sendo que esses morrerão antes de completar 75 anos.
As pessoas de classe média normalmente entre 40 e 50 já chegaram em seu auge profissional/financeiro. Os seus ganhos são superiores ao que é necessário para a manutenção da vida. Tem condições de pagar a escola dos filhos, plano de saúde, plano de previdência complementar, manter a moradia, viajar e etc. O seu sucesso profissional diz: “todas as políticas meritocrática são boas”.
Você deve estar perguntando porque os pais dessa família devem morrer antes dos 75 anos. No contexto neoliberal, o plano de previdência complementar que ele comprou no auge da vida profissional normalmente tem uma data para terminar a sua cobertura, normalmente 10 anos. Supondo que as pessoas se aposentam aos 65 anos, elas têm que morrer aos 75 anos. A manutenção da saúde nessa fase da vida é muito mais cara, as doenças começam a aparecer e os tratamentos sofisticados são caros, o plano de saúde que se pagava no auge na vida profissional são elevados a preços muito maiores do que na juventude.
No mundo pensado para a classe média de 45 anos, os serviços públicos são financiados pela própria classe média, o serviço oferecido pelo Estado não é o adequado.
Contudo, o mundo pensado para esse indivíduo não é o mundo real. Grande parte da população não pertence a essa classe com meia idade. Muitas vezes, o desejo e a possibilidade de consumo são maiores que o possível de ser realizado. Além do mais, ela está mais suscetível aos reveses da economia. Os pobres já são pobres, os riscos já são ricos e as suas necessidades básicas de luxo não são afetadas.
Como a classe média acredita que o mundo neoliberal é o verdadeiro mundo e que ele foi pensado para ela, o atual equilíbrio de forças não é reconhecido como legítimo. Ela não ganha com o fisiologismo, ela não é foco das políticas sociais e tem que pagar a conta das políticas neoliberais. Não há outro grito possível para ela: “Fora PT, fora Dilma”, grito que pode ser traduzido: “quero outro equilíbrio de forças”.
Eleições / Manifestações
As eleições presidenciais de 2014 foram muito tensas, com acusações e tom violento entre os candidatos. Com a divulgação de notícias de corrupção e com as redes sociais a tensão foi ampliada.
A forma como foi realizada a apuração aumentou em muito a tensão da campanha. A opção do TSE em iniciar a apuração dos votos antes do fechamento das urnas do Acre (por causa do fuso-horário só foram fechadas 3 horas após a maior parte do país) e apenas divulgar os primeiros resultados após o fechamento delas, gerou uma tensão desnecessária.
Uma eleição é uma disputa e as pessoas torcem pelos seus candidatos. Eu lembro que um pouco antes da divulgação do resultado, eu estava com a televisão ligada em um canal que estava acompanhando as eleições e com o tablete na mão acessando o site de apuração do TSE. De repente saiu o resultado, Dilma estava ganhando, com pequena vantagem e era irreversível a vitória. Este fato gerou em mim uma grande emoção de alegria, como deve ter gerado nos eleitores do Aécio uma grande emoção de frustração. Quando a apuração vai ocorrendo aos poucos, a emoção dos eleitores é menor.
No futebol havia a “morte súbita”: em campeonatos do tipo mata – mata, quando os times empatavam o jogo no tempo normal eles jogavam uma prorrogação até um dos times marcassem um gol. A FIFA retirou este mecanismo de desempate pelo fato de que gerava uma emoção desproporcional e que isso gerava violência. A apuração das eleições foi por “morte súbita”.
Durante o período eleitoral um dos meus filhos disse, “se a Dilma perder eu vou chamar os meus colegas para exigirmos que ela assuma o poder”. Respondi a ele: “não filho, não é assim, devemos defender o nosso candidato, mas se ele perde a eleição devemos aceitar a derrota. Devemos vigiar e cobrar quem foi eleito, mas quem ganhou, ganhou. Isso é a democracia”.
Antes mesmo da Dilma assumir iniciaram manifestações de rua pedindo o seu impeachment. Qual razão? Os manifestantes respondem: “a corrupção, este partido é incompetente”. Na resposta há uma mistura de indignação pela corrupção e frustração pela derrota eleitoral. A manifestação do povo sempre é legitima e necessária, mas no atual contexto tenho vontade de repetir aos manifestantes a mesma fala que disse ao meu filho antes da eleição.
Sei que não adianta dar este conselho, o que está em jogo para eles não é a democracia, é a insatisfação com o atual equilíbrio de forças. Diferente de outras épocas o processo de organização via internet está dando a classe média um poder de organização que ela não tinha. Ela não tem um projeto político claro, na minha visão ela deseja que o mundo desenhado pelo neoliberalismo seja real, que seja para ela.
Por que não ao impeachment?
Até agora o envolvimento da Dilma na corrupção não se comprovou, tanto que o pedido se baseia nas “pedaladas fiscais”. As informações que foram inseridas após o pedido são de denúncias vagas. Se perguntar às pessoas nas ruas a favor do impeachment nenhuma delas dirá que é por causa das “pedaladas”, mas sim pela corrupção. Agora em relação as razões ditas por aqueles que nas ruas pedem o impeachment. Até o momento não teve nenhuma denúncia que a presidente teve vantagens pessoais com a corrupção, há acusações ao Lula.
Na minha avaliação eles realmente são a favor do impeachment por serem contra um projeto de governo que entende a importância do Estado, o qual deve minimamente atender os interesses das classes populares.
O impeachment da Dilma é a reorganização das forças de sustentação do governo longe das urnas. Será uma reorganização dirigida a uma das sustentações do governo Dilma, o PMDB, que adota políticas fisiológicas. Certamente haverá algum acerto com forte sustentação do mercado financeiro e em parte as políticas sociais serão mantidas, mas não será um pilar de sustentação.
Em relação às doações oficiais às campanhas, se elas caracterizaram em crime, então temos razão para anular a eleição e não de impeachment. A pergunta seguinte que você deve estar querendo me fazer é se as doações oficiais caracterizam em crime? Na minha opinião a atual legislação eleitoral oficializa as propinas. No esquema montado pelas empreiteiras é uso corrente de que em cada obra ganha sejam feitas doações aos partidos políticos. Novamente você deve estar perguntando: isso é correto? A resposta é não. Vou adiante, este esquema não foi criado pelo PT, na minha opinião, ele se beneficiou e foi conivente, como foi o PMDB, o PSDB, o … O erro do outro não justifica o meu. A propina foi oficializada.
Vamos abrir as contas de todos os partidos, todas elas podem ser vinculadas a obras? Com o impeachment não permite dizer que estamos limpando o país.
Se eu considero o impeachment golpe? Sim considero, pois na minha analise as razões que levam as pessoas às ruas é a divergência de projeto político, é o desacordo da aliança que descrevi no meio da nossa conversa. Sendo assim é um golpe. Esta minha posição não é a favor da corrupção, muito pelo contrário. Todos nós perdemos com ela. As investigações devem continuar. Para que tudo não acabe em pizza como ocorria antes.
Na minha opinião o combate a corrupção passa pelo fortalecimento da polícia federal, pela proibição de doações aos partidos. Se forem criados caixa 2, aí o crime eleitoral é claro. É necessária uma reforma política séria, não aquele remendo que se começou a fazer e nem terminaram. Passa também por uma reforma da Justiça Eleitoral, até agora ela não conseguiu se manifestar sobre a aprovação das contas da campanha.
Não considero o PT o melhor partido, principalmente depois, da “Carta aos brasileiros”. Ele é menos pior que o PSDB, por compreender que o Estado tem relevante papel. Por falar em PSDB, ele está caindo na armadilha do PMDB. O apoio ao Temer poderá lhe custar caro.
E agora José?
Chegamos a um ponto que não gostaríamos. Vejo dois possíveis cenários:
a) O impeachment vai a frente e Dilma sai do poder e assume o seu vice Michel Temer.
Provavelmente teremos um governo fisiológico com cara de moderno.
Boa parte da população terá a ilusão de que a corrupção foi superada e que agora o país vai.
A construção do projeto de país será feita longe das urnas.
Teremos um governo não legítimo, quem sabe dentro da legalidade, mas não legítimo.
b) Dilma sobrevive ao impeachment.
Terá que continuar a enfrentar outros pedidos de impeachment.
Terá que construir uma nova base de sustentação.
Estes dois cenários não são bons para o país. Esta crise política em um sistema parlamentarista teria a dissolução do parlamento e novas eleições. Apesar de me sentir derrotado por aqueles que perderam a eleição e pelas opções de articulação políticas do PT, tendo a defender novas eleições gerais no Brasil. Votarei em um partido de esquerda, apesar de considerar que quem ganhará a eleição será algum de direita. E assim recomeçaremos a luta …
Um abraço
Zé Carlos.